De repente... 42. Parte I.

Então. É desse jeito. Passam assim. Como o vento. Os anos.

Não tenho do que me queixar. Nem do que me arrepender. Posso dizer que vivi bem os meus 15.330 dias de vida. E como quase todo mundo, também precisei enfrentar medos, fantasmas e obstáculos. Desde cedo tinha um sonho: ser alguém na vida. Sempre gostei de estudar. Meus pais nunca me cobravam as tarefas do dia. Nunca sabiam da agenda das provas. Não porque fossem relapsos, mas porque eu sabia do meu papel enquanto estudante desde cedo. 

Aos 10 anos fui agraciada com uma faixa de rainha do estudante. Se não ia ganhar faixa pela beleza, que fosse pela inteligência. Com 14 anos, eu já trabalhava para manter minha matrícula numa escola privada de Fortaleza. Com 15, entrei num curso comunicativo de língua espanhola da prefeitura depois de ouvir a canção La barca numa telenovela. Essa música mudou meu rumo. Quando a matemática tentava me mostrar exatamente o meu lugar num futuro profissional, a língua espanhola me dizia que eu iria ser feliz e ainda iria ser remunerada por isso. Aos 17 anos, havia concluído o ensino médio. Nessa idade, ouvi um “te vira”, quando quis estudar num cursinho para tentar o vestibular. Ouvir isso me possibilitou dois caminhos: o da vitimização para justificar um fracasso ou lutar pelo meu sonho com dignidade. Felizmente, eu tive um anjo que foi responsável pela minha matrícula nesse cursinho. E ao meu lado, o companheirismo de minha mãe. Depois de 6 meses, aos 18, conquistei o 4º lugar- dos 40 - no curso de letras (português/espanhol) da UECE. Já no primeiro semestre, me tornei bolsista. 

Aos 19, comecei a lecionar na própria escola onde conclui a educação básica. Com carteira assinada, podia ajudar mais ainda com as despesas da casa e arcar com os estudos da minha filha-irmã. Sua educação era a minha responsabilidade. Era abracei o compromisso. Com amor! Eu nunca parei, nunca esperei por ninguém. Passei por muita dificuldade e nunca disfarcei minha simplicidade de vida. Lembro que uma professora do curso, durante uma festa de despedida da turma realizada num restaurante do pai dela, me apresentou a um colega seu, dono de uma rede de postos de gasolina, e me disse: “se você ficar com ele, nunca mais vai passar fome!”. Eu ouvi aquilo com um embrulho no estômago. “Professora, eu vou vencer na vida, mas sem me prostituir. Vou vencer com dignidade, acredite!”. Saí dali tão decepcionada. Como uma professora poderia me incitar para algo tão absurdo? Mas eu tinha fé e coragem. Eu tinha uma meta: ser professora de instituição pública e conquistar minha segurança financeira longe da opressão das escolas privadas. Aos 20 anos, recebi meu diploma de professora de língua portuguesa e espanhola. 

Aos 21, fui professora substituta na UFC e aos 25, na UECE. Paralelamente dava aulas em instituições privadas. Trabalhava os 3 expedientes (saia de casa por volta das 6hs da manhã e retornava às 22:40) e ainda incluía a manhã dos sábados para dar aula em cursos de língua. Domingo era sagrado para os planejamentos de aula. Passava o dia pensando na melhor maneira de compartilhar conhecimento. Pensando na forma de trazer meu aluno para dentro da discussão do conteúdo em sala de aula. Em 2005, aos 27, toquei meu sonho com as mãos: concursada como professora de língua espanhola numa universidade pública. A partir daí, meu caminho ganhou novo rumo fora dos muros do meu estado. Agora eu pertencia ao contexto potiguar. Nessa época, eu ainda não tinha mestrado. Fui aprovada em 1º lugar no concurso com apenas o título de especialista. Eu queria muito fazer o mestrado enquanto morava no Ceará, mas o excesso de trabalho, devido à responsabilidade que eu assumia com minha família, não me permitia me dedicar a uma pós-graduação que exigia disponibilidade de tempo. Somente como professora universitária, aos 34 anos, foi que recebi meu diploma de mestre em letras. 

Aos 38 fui aprovada na seleção de doutorado. Agora, aos 42, estou aqui, mergulhada numa tese que parecia tão longe de ser alcançada e que agora ganha corpo e vida. Quando faço esse percurso breve que cabe nesta página, me vêm as entrelinhas de tudo que vivi. Das pessoas e fatos que foram decisivos para a construção da minha história.  Isso merece ser lembrado. Cada situação foi responsável por me tornar o que sou. Para além das entrelinhas, que venha a parte II.

 (02 de junho de 2020)

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